Em caráter emergencial, a revogação imediata da Certidão de Conformidade Ambiental emitida pela Prefeitura de Itatiaiuçu; em um segundo momento, a criação de uma unidade de conservação já em negociação pelo Ministério Público Federal (MPF) como medida compensatória por outro dano ambiental causado pela mineradora Usiminas na região. Essas foram saídas apontadas durante audiência da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa, realizada na Câmara Municipal de Igarapé, para preservar o monumento natural Pedra Grande e o seu entorno. A formação rochosa estaria sob risco de ser destruída pelo empreendimento minerário a ser implantado na região.
O encontro na sexta-feira (15) começou em clima tenso, sob forte policiamento, a pedido da deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), autora do requerimento, e foi presidida pela deputada Ione Pinheiro (União), vice-presidente do colegiado. Cerqueira denunciou em suas redes sociais que haveria ameaças de que a reunião seria impedida de acontecer, inclusive com agressões, por “pessoas estranhas do debate” supostamente patrocinadas por agentes do poder econômico.
“Temos informações que até mesmo trabalhadores dessas mineradoras estão sendo coagidos para atuar como manifestantes em atividades do Poder Legislativo. Isso será investigado”, disse a deputada.
Coube à geóloga Daniela Cordeiro dimensionar, em sua apresentação na audiência, o risco que o chamado Projeto Camargos, da Usiminas, representa para Pedra Grande, que já é tombada pelos Municípios de Itatiaiuçu e Igarapé. Segundo ela, o licenciamento concedido pelo governo estadual à empresa, com a anuência da Prefeitura de Itatiaiuçu, prevê, entre outros impactos, a abertura de uma cava para retirar 2,9 milhões de toneladas de minério, uma pilha de estéril (resíduos da mineração), a construção de um dique (barragem) de nove metros de altura e a abertura de uma estrada de 3,5 km de extensão que receberá tráfego intenso de caminhões e outros equipamentos de mineração.
“Tudo isso a menos de 500 metros da Pedra Grande. Toda a paisagem abaixo da Pedra Grande vai virar um grande buraco”, lamentou. Ela lembrou que a Comunidade de Vieiras, situada nas proximidades, vai perder seu acesso à Pedra Grande e ao chamado Morro do Cruzeiro, local de peregrinação religiosa, e não foi consultada em nenhum momento.
MORADORES SE MOBILIZARAM PRIMEIRO Foram os moradores da comunidade de Vieiras, em Itatiaiuçu, quem primeiro se mobilizaram quando, em junho do ano passado, o acesso da comunidade à Pedra Grande foi fechado sem aviso pela mineradora para o início do empreendimento. Foram feitos vários protestos até que, dois meses depois uma liminar na Justiça garantiu a reabertura e suspendeu o início dos trabalhos. Símbolo da luta contra a destruição da Pedra Grande, José Roberto Pereira Cândido, o “Zezé”, morador daquela comunidade, ajudou na elaboração do estudo que atestaria as falhas da documentação de licenciamento preparada pela mineradora.
“Desde 1996 venho juntando informações. Não estudei, mas tenho interesse pela comunidade em que nasci. Infelizmente, a maioria das pessoas que mandam em Itatiaiuçu são ricas em dinheiro, mas pobres de espírito”, afirmou, emocionado.
Conforme explicado na reunião, foi fundamental para o licenciamento uma Certidão de Conformidade Ambiental emitida pela Prefeitura de Itatiaiuçu ainda em 2019. Beatriz Cerqueira lembrou que pediu a suspensão do documento em ofício enviado à prefeitura local há quase um ano, ainda sem resposta oficial.
Questionado na audiência, o secretário Municipal de Meio Ambiente de Itatiaiuçu, Lucas Lima Andrade Belo, lembrou que assumiu o posto no final do ano passado e que o documento citado, “emitido na gestão municipal anterior”, está sendo avaliado em âmbito administrado e judicial e pode ser revisado.
“Vale lembrar que todo o impacto ambiental nesses casos é analisado pelo Estado, que licenciou o empreendimento”, argumentou o secretário.
MPF ATUA EM DUAS FRENTES O procurador da República, Ângelo Giardini de Oliveira, destacou que o Ministério Público Federal atua em duas frentes com relação ao Projeto Camargos. Além de um procedimento já instaurado para revisar a legalidade do licenciamento ambiental concedido pelo Estado, nesta semana deve acontecer mais uma reunião com representantes da Usiminas para tentar um acordo em outro procedimento legal para viabilizar a criação de uma área de conservação que garanta a proteção da Pedra Grande.
A ideia é selar um acordo de reparação para impactos já consumados pela Usiminas em outra área de mineração na região, a chamada Mina Oeste, na divisa entre Mateus Leme e Igarapé. Até o momento, a maior divergência seria quanto à extensão da área de conservação no entorno da Pedra Grande, que o MPF ainda considera insuficiente.
“Só quem já esteve na Pedra Grande sabe como ela é apaixonante. Chamei todo mundo para conversar porque esse é um assunto que não pode ser decidido só dentro de gabinetes. Mas ainda é muito cedo para afirmar se o acordo vai dar certo ou não”, disse o procurador.
PRESERVAÇÃO É PRIORIDADE PARA IGARAPÉ A mineração na Serra Azul, que emoldura o horizonte para quem vive em Igarapé, é objeto há décadas de várias disputas judiciais opondo empresas a ambientalistas, com os poderes públicos municipais alternando entre um lado e outro da disputa. O procurador-geral do Município de Igarapé, Pedro Américo, garantiu que a preservação da Pedra Grande, o que consta até da Lei Orgânica Municipal, de 1990, é prioridade para a prefeitura local. Um exemplo disso, segundo ele, é o tombamento do marco natural ainda em 2008, que foi estendido em agosto de 2023.
“Mas essa é uma batalha árdua, que não termina com a extensão do tombamento. Isso até gerou uma nova disputa, já que um mandado de segurança foi impetrado pelas mineradoras contra o prefeito por causa do decreto de tombamento”, lembrou o procurador.
Na mesma linha, o secretário de Meio Ambiente de Igarapé, Isaías de Abreu, lembrou que 64% território municipal já é área de proteção ambiental, inclusive a Pedra Grande. O entorno dela, segundo ele, é uma zona de conservação, área com maior nível de restrição, enquanto que abaixo dela, é uma zona de uso restrito.
“Estamos fazendo nossa parte”, pontuou, lembrando que as nascentes da região da Pedra Grande alimentam oito córregos da região que contribuem diretamente para o Sistema Serra Azul, da Copasa, que abastece de água boa parte da RMBH.
E MAIS…
Comunidades tradicionais e grande apelo turístico
A Pedra Grande é um afloramento rochoso de grandes proporções a 1.434 metros de altitude e que pode ser avistado a longa distância, situado na Serra Azul, divisa entre os municípios de Igarapé, Itatiaiuçu e Mateus Leme, todos na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Não bastasse a beleza desse marco geográfico para a população da região – com nascentes, quedas d´água e ainda um corredor ecológico de travessia de animais silvestres, o único intacto na região –, o entorno da Pedra Grande abriga comunidades tradicionais e tem grande apelo turístico, sendo palco até da prática de esportes radicais.
Parabéns pelo empenho em preservar esse patrimônio. B