Falta de água, poluição de rios, barulho e poeira resultantes de detonações nas minas e do alto tráfego de caminhões e máquinas e saída forçada de suas casas, com aniquilação do modo de vida local, foram os principais problemas relatados à Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas (ALMG), em visita à Itatiaiuçu. Na roda de conversa, cidadãos das comunidades de Samambaia e Curtume (que reúnem cerca de 40 famílias) e de outras localidades próximas detalharam os problemas que enfrentam desde 2014, quando se instalou a Usiminas.
A comissão foi representada pela deputada Beatriz Cerqueira (PT), autora do requerimento de visita. Também participou o promotor do Ministério Público da Comarca de Itaúna, Guilherme Miranda. Com fotos da região antes e depois disso, Mateus Fonseca lembrou que foi retirado à força de sua casa:
“A Usiminas chegou e deu um prazo pra eu sair, de qualquer jeito. Chegaram com máquina pra derrubar minha casa, onde eu morava com minha mulher e dois meninos”. Atualmente pagando aluguel, ele afirma que o mesmo aconteceu com vários outros moradores que estavam na chamada “área de servidão” da empresa.
Mateus reclama que a comunidade está há dois dias sem água, e a Prefeitura de Itatiaiuçu é que manda o caminhão pipa para abastecer as propriedades. E concluiu que a falta d’água tem relação com a destruição de nascentes.
“Destruíram nove nascentes num mesmo lugar. Hoje, a água que sai dali, toda suja, é a que vai para o Rio Samambaia, afluente do Rio Manso, que abastece também Belo Horizonte”, afirmou.
AUDIÊNCIA PÚBLICA Diante de toda a situação relatada, Beatriz Cerqueira propôs alguns encaminhamentos para tentar reverter o quadro. Anunciou que requererá audiência pública sobre o tema, para a qual serão convidados membros das comunidades atingidas, da Usiminas, da Prefeitura de Itatiaiuçu e do Ministério Público. Também prometeu cobrar dos órgãos ambientais do Estado a realização de análise da água dos rios e córregos que servem à localidade. Também a esses órgãos, a deputada vai solicitar um parecer sobre o estágio atual de descomissionamento da barragem da mineradora.
“Será que vale a pena toda essa destruição? Temos que ter políticas que protejam mais as pessoas e menos as mineradoras”, declarou.
O promotor Guilherme Miranda anunciou que o MPMG vai instaurar dois procedimentos, um na área ambiental e outro de apoio comunitário. O primeiro se voltará para a investigação da contaminação dos recursos hídricos e naturais nessas comunidades de Itatiaiuçu. O segundo procedimento será destinado à proteção do modo de vida da população, que habita o local muito antes do início da atividade minerária.
E MAIS…
Moradores se sentem cercados por mineradoras
Luciene Guimarães reclamou que as mineradoras vêm fazendo “um círculo”, com as comunidades no meio: “De um lado, tem a mineração Mineirita; do outro, a Usiminas. Estão espremendo e querendo tirar a gente de qualquer jeito. Mas nós nascemos aqui, nossa história e os laços sociais estão todos aqui. Como vamos fazer?”, questionou. Preocupada com a estrada que atende às comunidades, Rosângela Gonçalves destacou que a Usiminas colocou na via estreita metade de pedra e metade de asfalto. E que os muitos caminhões da empresa passam em alta velocidade pelo local, colocando em risco a vida das pessoas. “Esses dias, quase trombaram num ônibus escolar”, contou.
Queda d’água está suja e inacessível
Claudete de Freitas lamentou que a mineração tenha retirado dos moradores o único local de lazer que tinham, o chamado Bicão. A pequena queda d’água, onde eles nadavam, está suja e com acesso fechado pela Usiminas. Além de Samambaia e Curtume, foram atingidas as comunidades de Quintas da Boa Vista, Quintas de Itatiaia, Cascalho, Pinheiros e Ponta da Serra. Valdirene Faria denunciou que o Plano Diretor de Itatiaiuçu colocou várias áreas rurais do município como se fossem urbanas, o que estaria em desacordo com legislação federal sobre o tema. “A Usiminas e essas outras mineradoras acham que são donas da cidade; entram nos nossos terrenos como se fossem donas. Colocam piquetes e dão prazo de um ano pra gente sair”, criticou. “A comunidade está sendo calada à força e todo mundo vai definhando aos poucos”, lamentou.
José Roberto Pereira avaliou que a prefeitura local está tratando os moradores com descaso, por não interceder em favor deles contra a mineração. “Temos várias violações de direitos, à água, à informação, e a Usiminas tem que ser punida pelo que já fez, usando de má-fé com a comunidade, não respeitando sua cultura tradicional”, protestou ele, defendendo uma reunião com o Ministério Público, representantes da empresa e da comunidade.
Mortandade de peixes começou após rompimento de dique
Roberto Cristovam da Silva relembrou a mortandade de peixes, que começou em março de 2019, quando se rompeu um dique da mineradora, espalhando lama em todo o Rio Veloso, assoreando-o. Na época, ele questionou a prefeitura sobre a possibilidade de fazer a análise da água do rio, mas o poder público nada fez. Na sua avaliação, a prefeitura tem sido parcial, ficando sempre do lado da mineração, que injeta recursos no município. Outras queixas da comunidade em relação à atividade minerária foram: estresse provocado por poeira e barulho de detonações, além do soar de sirenes, sem a empresa avisar previamente do que se trata; fixação de placas de avisos de perigo dentro das propriedades, sem autorização dos donos; sobrevoo de drone da mineradora sobre as áreas; rachaduras em residências devido às explosões e tráfego pesado de caminhões e máquinas; e colocação de três cancelas entre as propriedades, dificultando o livre acesso dos moradores.
Rio ficou poluído e assoreado
Após a conversa com os moradores, a deputada Beatriz Cerqueira, acompanhada do promotor, da equipe da ALMG e de alguns membros da comunidade, se dirigiu às margens do Rio Samambaia. Ali, comprovaram a destruição provocada pelo rompimento do dique da Usiminas em 2019, que carreou resíduos de minério para o leito do curso d’água. Totalmente cristalina antes desse desastre, a água se tornou um pouco turva e viscosa.
Idoso conta que foi expulso de sua fazenda
Próximo ao local, foi ouvido Isaltino Crispim Rosa. Com mais de 80 anos de idade, ele relatou que foi obrigado pela mineradora a sair de sua fazenda de 22 hectares. “A mineradora marcou o dia pra eu sair e eu tive que largar tudo pra trás”. Atualmente, vive numa área de apenas meio hectare e não pode mais se dedicar às atividades que sempre desenvolveu na roça: a agricultura e a criação de gado de leite. “Foi uma grande safadeza desse povo; eu e muitos vizinhos fomos todos empurrados de nossas terras”, desabafou ele.