Um segundo Termo de Acordo Complementar (TAC 2) foi firmado entre a comunidade de Itatiaiuçu, a mineradora ArcelorMittal, a Prefeitura do Município e os ministérios públicos de Minas Gerais (MPMG) e Federal (MPF) no processo de reparação dos danos causados pelo acionamento do Plano de Ação de Emergência da barragem de rejeitos (PAEBM) da Mina Serra Azul. O nível de emergência da barragem foi elevado em fevereiro de 2019, levando à evacuação de famílias e à suspensão de atividades nas regiões impactadas. O acordo prevê a destinação de cerca de R$ 436,7 milhões e seus rendimentos – valor definido em acordo preliminar celebrado em junho de 2023, destinados à reparação integral dos danos coletivos e difusos sofridos pelas comunidades de Pinheiros, Vieiras e Lagoa das Flores, diretamente afetadas pelo risco de rompimento da estrutura da barragem.
O acordo inclui ainda o reconhecimento formal de responsabilidade da ArcelorMittal pelos danos causados à população e ao meio ambiente, representando um avanço no modelo de reparação em casos de risco de rompimento de barragens no Brasil. Segundo os termos do TAC, a empresa deverá continuar financiando assessoria técnica às comunidades, garantir a contratação de entidades independentes e assegurar o cumprimento de todas as medidas previstas.
“Os valores serão atualizados monetariamente e geridos conforme regras de transparência e participação popular”, afirma o MPMG.


O TAC 2 foi assinado pelos representantes da comissão dos atingidos, em conjunto com a ATI Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) e com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), representados por suas coordenadoras Amanda Drummond e Sônia Mara, pelo procurador da República Felipe Augusto de Barros Carvalho Pinto, representando o MPF, pela promotora de Justiça Shirley Machado de Oliveira, do MPMG, pelo vice-presidente de Renováveis, BioFlorestas e Mineração Brasil da ArcelorMittal, Wagner de Brito Barbosa, e o prefeito de Itatiaiuçu, Romer Soares (Cidadania). Durante a assinatura do acordo, na sede em MPF em Belo Horizonte, nesta quarta-feira (28), representantes do Ministério Público, da Comissão de Atingidos e demais instituições ressaltaram a importância do acordo, destacando o protagonismo das comunidades afetadas e o caráter democrático do processo de reparação.
Para a representante da Comissão dos Atingidos, Patrícia Odione, a assinatura do TAC 2 representa o fim de um ciclo difícil e o começo de outro, com mais esperança.
“A gente passou por muita luta, mas também teve conquistas. Agora é hora de ver tudo que a gente construiu junto sendo colocado em prática, como as praças, os cursos, os projetos que vão ajudar a reconstruir o convívio das comunidades”, afirma Odione.




O prefeito de Itatiaiuçu disse que o acordo é um importante avanço rumo à reparação e à justiça coletiva. “Esse é um momento de escuta, responsabilidade e compromisso com aqueles que mais precisam. Reafirmamos nosso empenho na construção de um futuro mais justo, digno e seguro para todos”, afirma Romer.
COMUNIDADES EM POSIÇÃO CENTRAL O procurador da República, Felipe Augusto de Barros Carvalho Pinto reforçou a centralidade das comunidades no processo de reparação, destacando a responsabilidade do MP em garantir a efetiva participação social. “Os atingidos são protagonistas e destinatários do processo de reparação. Ocupam posição central na negociação e dela devem participar ativamente, tanto na definição de medidas quanto na execução”. Para o procurador, cabe ao MP, além de promover a defesa técnica dos direitos coletivos e difusos dos atingidos, zelar pelo direito à participação dos atingidos no processo de reparação.
“Não basta reparar os danos causados pelo desastre. É preciso cuidar para que o próprio processo de reparação não seja estruturado e executado de forma a violar e perpetuar desigualdades e violências”, alerta. Carvalho Pinto acrescentou que as ações afirmativas visam a garantir que direitos violados sejam não só reparados, mas reparados de forma materialmente equânime, sob todas as perspectivas, raça e gênero especialmente.

Para a promotora de Justiça Shirley Machado, o acordo estabelece um novo paradigma na condução de processos reparatórios no país, ao garantir espaço efetivo para a participação das pessoas atingidas. “Eu acredito que esse acordo é inédito porque ele estabelece um processo extremamente democrático, em que as pessoas que são atingidas estão e são tratadas no mesmo pé de igualdade que todos os atores envolvidos no processo, no sentido de, além de serem consideradas como vítimas, porque são, são também autoras das decisões que as envolvem”.
A integrante da Comissão dos Atingidos, Luzia Martins, se emocionou ao falar sobre a construção coletiva das soluções e sobre a oportunidade histórica de participação direta das comunidades no desenho de seu próprio futuro.
“É o primeiro processo que é feito extrajudicial, com a gente sentado na mesa, ajudando a tomar todas as decisões e construindo o nosso futuro da reparação – que termina, mas realmente não vai terminar. Vai começar, porque assinando o TAC, a gente começa um novo futuro”.


ENTENDA O CASO Em 8 de fevereiro de 2019, a ArcelorMittal acionou o Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração, após a Agência Nacional de Mineração (ANM) ter declarado situação de emergência nível 2 para a barragem Serra Azul, em Itatiaiuçu, o que obrigou a empresa a fazer a remoção preventiva das pessoas que estavam na chamada Zona de Autossalvamento (ZAS). Desde então, o MPF e o MPMG vêm atuando no estabelecimento de medidas para controle, remediação e descomissionamento (desativação) da estrutura da barragem, além do processo de assistência e reparação de danos às pessoas atingidas.
E MAIS…
Medidas reparatórias
Os projetos e medidas a serem executados como reparação serão indicados pelas comunidades atingidas, oriundos dos planos de reparação integral, cuja execução obedecerá a modelo de governança que contará com participação efetiva das comunidades. Estão previstas medidas nas áreas de saúde, assistência social, educação, cidadania, comunicação, cultura, esporte e lazer, trabalho e renda, meio ambiente e infraestrutura, tais como cursos técnicos e pré-Enem, instalação de laboratórios escolares, rádio comunitária, espaços físicos para agroindústria, programas de inclusão digital, construção de praças nas comunidades atingidas, dentre outras. As ações emergenciais fazem parte do chamado “Bloco Zero” de medidas de reparação e foram definidas com base em consultas públicas e escutas realizadas com os atingidos, com apoio da Assessoria Técnica Independente (ATI).
Gestão participativa
A execução do TAC será acompanhada por um Comitê Local de Gestão e Monitoramento, composto por representantes das comunidades atingidas, do município, da empresa, de entidade gestora independente e da sociedade civil. Haverá ainda auditorias finalística e financeira independentes, que fiscalizarão os contratos, a execução física e orçamentária dos projetos, com relatórios públicos periódicos. A governança do acordo também prevê a contratação de uma Secretaria do Processo de Reparação Coletiva, responsável por manter a transparência, organizar reuniões e divulgar informações relevantes às partes interessadas.
Ações afirmativas
Além dos investimentos em infraestrutura, o acordo incorpora um conjunto robusto de ações afirmativas voltadas à promoção da igualdade racial, de gênero e inclusão social. Estão previstas reservas de vagas para pessoas negras, indígenas, em situação de pobreza, com deficiência e mulheres, nos programas e projetos do TAC. Também serão criadas linhas de crédito específicas para mulheres, pessoas com deficiência e população negra.