@viuitauna
Apresentada sucessivas vezes nos últimos quatro anos e agora avaliada por uma comissão, antes de ser votada pela Câmara, a revisão do Plano Diretor se concentrou na Barragem do Benfica, uma discussão irrelevante, afirma o arquiteto e ex-gerente de Cultura, Sérgio Machado. Na avaliação do urbanista, o planejamento de Itaúna para a próxima década deveria considerar outras prioridades, como imóveis desocupados na região central, meio ambiente urbano e a formação de um conselho da cidade.
“A população tem sido expulsa para cada vez mais longe e esse é um grande problema. Dizer que a cidade está crescendo não é verdade. Em 15 anos, a população de Itaúna cresceu 800 habitantes. Para onde estamos mandando os pobres? Para depois do Morada Nova. Estamos criando um gueto. É o gueto de Varsóvia”, compara.
Para Machado, a aprovação do projeto demora por causa da “incompetência” dos vereadores, que não recorreram a uma consultoria especializada. Por outro lado, diz, falta interesse da Prefeitura em clarear o Plano Diretor, mantendo a iniciativa nas mãos do prefeito Neider Moreira (PSD). “Não digo nem que seja consciente, mas é o que está acontecendo. A Itaúna que está sendo pensada é a cidade industrial do século 19”. Leia a entrevista ao @viuitauna:
Quando você aponta que há uma cortina de fumaça em torno da Barragem do Benfica, o que quer dizer?
A questão da barragem foi levantada por um grupo preocupado com aspectos ecológicos e isso é um assunto importante, o que acabou colocando-a no centro das discussões. Esse é um detalhe do Plano Diretor que nos afeta muito mais como identidade do que funcionalmente. Nem toda a população vai se beneficiar da barragem, que nem sequer tem tamanho para turismo de massa. O problema é que esse assunto ficou em primeiro plano deixando todos os demais em segundo plano. Você imagina o que é um Plano Diretor para uma cidade de 100 mil habitantes. Quantos detalhes existem…
Havia divergências de metragem entre proprietários, o que gerou pressão do mercado imobiliário em cima da aprovação do plano.
Tem detalhes que são diversionistas. Discutir metragens de terreno, se o proprietário é itaunense ou se é o poder público, são discussões paralelas ao Plano Diretor. O que deveria estar em discussão é como poderíamos nos apropriar daquele espaço preservando, permitindo que seja inserido na economia da cidade. Mas nada disso foi discutido. Estamos em uma discussão irrelevante. Deveríamos estar discutindo um plano propriamente dito. Tivemos um apresentado por uma empresa que é lamentável, transformando a barragem em um loteamento.
Qual a prioridade do Plano Diretor, na sua avaliação?
Ele é fundamental. O brasileiro não planeja. Basta ver o número de microempresas que fecham no primeiro ano. O Plano Diretor foi instituído por uma legislação federal porque os prefeitos é que faziam o futuro das cidades. Era um país sem planejamento. Ele tira dos prefeitos esse poder, que passa a ser gestado pela população também. Você vê a dificuldade ou má vontade do poder público em instituir uma discussão popular. Chamar pelo menos os especialistas. A quem interessa um plano fraco, mal feito? A alguém. E é isso que estamos fazendo. Um plano mal feito que não vai ter autoridade. As lacunas são imensas. O prefeito hoje pode definir até a composição do conselho da cidade, desviando-se das intenções da lei.
Quais são as principais lacunas?
Regulamentação. Falta de explicação sobre a expansão do município, por exemplo. Porque estamos aumentando em 89% a área urbana? O que isso vai gerar no futuro? Não temos nenhum dado sobre isso. Isso gera compromissos do governo. É preciso mandar ônibus em pontos distantes, SAMU aqui e ali. Começa a ter obrigações espalhadas pelo município inteiro. A área central de Itaúna tem uma taxa de desocupação de terrenos vagos de 30% a 40%. O Plano Diretor, através do Estatuto das Cidades, foi instituído para acabar com isso, que é a especulação imobiliária. Isso é o que está acontecendo em Itaúna. Onde está previsto que teremos áreas para conjuntos habitacionais, de interesse social? Para onde estamos mandando os pobres? Para depois do Morada Nova. Estamos criando um gueto. É o gueto de Varsóvia.
É o momento para se falar em um contorno viário em Itaúna, já que a cidade tem expandido muito nestas regiões?
Essa é uma questão controversa, porque a população de Itaúna tem sido vegetativa e não acompanha nem a taxa demográfica. Itaúna não tem crescido de modo a exigir uma grande obra viária: tem outras prioridades. A população tem sido expulsa para cada vez mais longe e esse é um grande problema. Dizer que a cidade está crescendo não é verdade. Em 15 anos, a população de Itaúna cresceu 800 habitantes. Não temos um problema populacional que justifique a expansão da zona urbana cidade. Estamos criando, na verdade, grandes vazios onde os ônibus tem de transpor, a energia e todos os serviços tem de transpor. São áreas ociosas esses grandes vazios, onde daqui a 20, 30 anos, a próxima geração vai ter aquilo ali de mão beijada, de forma valorizada, se a cidade crescer.
A falta de captação pluvial de obras de asfaltamento é apontada como vilã em dias de enchentes. Realmente é um problema?
Evidentemente, porque não há a absorção da água no solo. No entanto tudo pode ser feito se você investir em infraestrutura. Mas por trás desse problema tem outra questão grave que é o total silêncio da administração sobre o ambiente urbano que a gente vive. Para uma cidade que se diz relativamente rica, porque contrata empréstimo de R$ 15 milhões para asfalto em um ano, como uma cidade assim tem as calçadas inviáveis para se transitar? Num momento em que a tendência em andar a pé é grande, porque o uso do veículo está cada vez mais complicado. O poder público não investe. Você não tem um plano de meio ambiente urbano. Quando se fala em meio ambiente no Plano Diretor, é sobre a zona rural. Não fala sobre um plano de arborização. Quando? Não tem, nada programado. Não existe nenhum sonho, nenhum projeto, para o espaço urbano no qual a gente vive. Nisso entra a questão do asfalto.
Porque a revisão do Plano Diretor demora tanto para ser aprovada em Itaúna?
Está demorando primeiro pela incompetência dos vereadores. Só no início desse ano escutei um vereador, o Da Lua, dizer que a Câmara precisaria de uma consultoria. Para explicar aos vereadores o que é o plano. Não estou falando mal deles. O Plano Diretor é um documento complexo. Ele precisa ter um especialista destrinchando as coisas para os leigos. A Câmara deveria estar com isso há anos e ela foi atendendo ali seus compromissos, o que está embutido, interesses pessoais, de grupos… estão todos ali. Pode olhar o que está sendo discutido: nada, só a barragem. Os vereadores não tem nem a condição técnica necessária para de discutir a expansão urbana, entender as consequências, para ir contra ou a favor. Por isso demora. A coisa fica toda no âmbito político, de interesses. Temos uma cidade dividida e não consegue avançar. Por outro lado o Executivo não parece ter interesse no clareamento do Plano Diretor. Parece que quanto mais confuso e frouxo ele for aprovado, melhor, porque mantém o poder do prefeito. Não digo nem que seja consciente, mas é o que está acontecendo. A legislação federal prevê que é obrigatório termos um conselho da cidade formado por metade de representantes da sociedade civil. Enquanto a sociedade civil não eleger o prefeito nomeia. Está assim há 12 anos. O prefeito domina uma instancia que deveria ser democrática.
Com a aceleração de mudanças na pandemia, qual a visão para a Itaúna do futuro? Como nos preparar?
Essa é a grande incógnita. O futuro, o que serão as cidades? Ficamos satisfeitos com um supermercado abrindo 300 vagas. Já existem supermercados funcionando no Brasil sem funcionário algum. O que serão essas 300 vagas no futuro? Que indústrias virão? Uma das grandes mudanças na cidades reside no fato de que os administradores perceberam que não é suficiente atrair empresas. Você tem de atrair pessoas de qualidade, para uma cidade atrativa. As pessoas em que elas mudam o meio. Pessoas interessantes, ricas de ideias, com qualidades. É comprovado que a cada 10% da população que se qualifica, a renda sobe igualmente 10%. E não é só para quem é qualificado. A renda sobe para todo mundo. A Itaúna que está sendo pensada é a cidade industrial do século 19.
Pois bem, o entrevistado falou…
Falou…
Falou…
Deu o ar de sua graça, mas, entretanto, porém e todavia, não ofertou o principal: SOLUÇÃO.
Trágico. Se não fosse um tanto, CÔMICO.
Walter: você tocou no ponto fundamental…a solução! Eu tenho algumas propostas, mas antes de confronta-las com as que estão sendo colocadas pela PMI, estou investindo na possibilidade de um debate efetivo, coisa que ainda não aconteceu. Talvez seja o caso de dar esse passo que vc, cobra, com razão. Na proposta para a Barragem, por exemplo, a empresa consultora agregou um item que eu sugeri; a extensão do que se entende como “barragem” para o trecho do rio abaixo dela, formando um parque linear. Por outro lado, ao me posicionar seguidamente, nos últimos 6 anos, contra o simples loteamento do entorno da barragem e sugerindo uma ampliação dos usos e uma diversificação da ocupação, não estou fazendo uma prosta detalhada, mas estou indicando uma direção, além de descartar outra. Infelizmente muito poucos se interessam pelo assunto e dentre eles quase ninguém, ou ninguém, se manifesta publicamente.
Walter: Tenho a impressão de que se um grupo, mesmo que pequeno, discutisse e se posicionasse, as coisas poderiam ser diferentes, mais democráticas e melhores para a cidade. Ainda que seja uma crítica ou uma cobrança, como vc fez, qualquer movimento participativo tem consequências.
Por exemplo: porque os veículos de comunicação da cidade não promovem um debate sobre o Plano Diretor? Seria uma iniciativa de grande valor.